01/12/2025

Estados divergem sobre inclusão da CBS e do IBS no cálculo do ICMS

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A reforma tributária do consumo começa a valer, em fase de teste, no ano
que vem. Mas não há consenso entre as unidades federativas sobre a
inclusão do Imposto sobre Bens e serviços (IBS), de competência dos Estados
e municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência
federal, na base de cálculo do ICMS - o que, deve gerar judicialização, dizem
especialistas. A fase de transição para o novo sistema encerra em 2032.
Em recentes soluções de consulta, os Estados de São Paulo, Pernambuco e
Distrito Federal deram respostas distintas às empresas. Para o ano que vem,
enquanto Pernambuco obriga a inclusão, o Distrito Federal (DF) não permite,
por não existir legislação expressa que determine que um integre a base de
cálculo de outro. Já São Paulo entende que o IBS e a CBS não integram a base
do tributo estadual em 2026, só a partir de 2027.
Para tributaristas, a divergência gera insegurança jurídica e vai contra princípios
da transparência e simplicidade que o novo sistema promete criar. Defendem a
aprovação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 16/2025, que inclui
dispositivos na Lei Kandir (nº 87/1996) e na Lei Complementar nº 214/2025,
que regulamenta a reforma, para que o IBS e CBS sejam excluídos do ICMS,
ISS e IPI. A proposta tramita na Câmara dos Deputados e está, atualmente, na
Comissão de Finanças e Tributação (CFT).
As três consultas foram feitas pela mesma empresa, a Neoenergia, de energia
elétrica. Em nota ao Valor, ela disse que elas "refletem o compromisso da
empresa com um processo transparente e igualitário no relacionamento com o
setor público".
Na Resolução de Consulta nº 39/2025, a justificativa dada pela Secretaria da
Fazenda do Estado de Pernambuco (Sefaz-PE) foi que a Lei Kandir estabelece
como base de cálculo do ICMS o valor da operação. “Assim, como o IBS e a
CBS são tributos indiretos e, por sua natureza, são repassados no preço ao
consumidor, é evidente que, pela regra supra citada, comporão a base de cálculo
do ICMS”, diz.
A secretaria cita o próprio PLP nº 16/2025. Diz que como a norma ainda não
foi aprovada pelo Congresso, nem sancionada pelo Executivo, "até o presente
momento, incluem-se na base de cálculo do ICMS, além de outras despesas
debitadas ao adquirente, o IBS e a CBS”.
Deve ser aplicado o entendimento dado pelo STF na tese do século”
— Patrícia Maaze
Já o DF (Solução de Consulta nº 23/2025), onde o entendimento foi o mais
favorável, admite a lacuna legislativa. “A inteligência a ser aplicada é que quando
o legislador (aqui considerado em sentido amplo como aquele que tem o poder
de alterar a legislação tributária) quis, ele fez expressamente constar hipótese
excludente da BC [base de cálculo] do ICMS. Nessa lógica, não pode o mero
aplicador do direito veicular hipótese diminutiva da BC do imposto sem
qualquer amparo na legislação tributária vigente”, afirmou a subsecretaria da
Receita do DF.
Também considerou a possibilidade de o contribuinte compensar o IBS e a
CBS com outros tributos ou pedirem restituição. "A recente reforma tributária
não veio para ampliar a base de cálculo do ICMS”, disse. Em 2026, “as
obrigações fiscais referentes à CBS e ao IBS estão voltadas exclusivamente à
apuração da necessidade de eventuais futuras calibragens de suas alíquotas,
tendo em vista que para tal período o sistema prevê a compensação ou até
mesmo a dispensa de seus recolhimentos”.
São Paulo, por meio da Resposta à Consulta nº 32.303, na linha do que entendeu
a Sefaz-PE, afirma que a base do ICMS é o valor da operação, "incluindo os
tributos incidentes". "Todo tributo que compõe o preço da operação ou
prestação integra, por definição legal, a base de cálculo do imposto estadual",
diz. Também afirma que se fossem excluídos, "a arrecadação estadual seria
artificialmente reduzida, já que os antigos tributos, que os novos vêm a
substituir, sempre integraram a base do imposto estadual". Mas como IBS e
CBS não serão "efetivamente exigíveis" em 2026, esse entendimento só vale a
partir de 2027.
A advogada Rafaela Canito, sócia do Lefosse, diz que o ICMS, historicamente,
é um imposto cuja lógica é a tributação por dentro da base de cálculo, ou seja,
permite incidir tributo sobre tributo. Já a CBS e o IBS são mais modernos, no
modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que visa buscar transparência
e simplicidade, por isso, são calculados por fora.
Para ela, permitir a inclusão dos novos tributos no ICMS durante a transição
“contamina a lógica e a estrutura do novo sistema”. “Qualquer tentativa de
ampliar a base do ICMS sem fundamento pode parar no Judiciário e, em última
análise, no STF, o que vai de encontro ao objetivo da reforma”, afirma. Segundo
Rafaela, o período da transição foi imaginado para ser neutro em relação a carga
tributária e de adaptação para todos.
O tributarista Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, diz que
“diferentemente do que se pregou, a reforma pode trazer contencioso
adicional”. “Se não houver unicidade dos Estados na interpretação dessas
normas, vai trazer muita insegurança”. Afirma ainda que as empresas não
levaram em conta a inclusão do IBS e da CBS nas bases de tributos na transição,
o que impacta a carga tributária, componente na definição de preço e margem.
A tributarista Patrícia Maaze, sócia fundadora do Oliveira, Augusto, Maaze,
Britto, Filgueira, Guerreiro Advocacia, diz que a conclusão da Sefaz de
Pernambuco é “completamente equivocada” e deve ser aplicado o mesmo
entendimento dado pelo STF na tese do século, que excluiu o ICMS da base do
PIS e da Cofins (Tema 69). “De igual forma, o IBS e CBS não integram o valor
da operação e não devem compor as bases”, afirma.
Na visão dela, essa solução de consulta vai motivar uma "enxurrada de medidas
judiciais”. A tendência, alerta, são mais Estados se posicionarem sobre o
assunto nos próximos meses.
Maurício Barros, sócio do Cescon Barrieu, diz que a interpretação literal da Lei
Kandir permite entender que o IBS e CBS deveriam ser cobrados. "Mas a
Emenda 132, que aprovou a reforma tributária, trouxe os princípios da
simplicidade e da transparência, novos princípios constitucionais tributários".
afirma. "Incluir o IBS e a CBS na base do ICMS atenta a esses princípios porque
torna mais complexo o cálculo e menos transparente para o consumidor final
qual é a efetiva carga de ICMS sobre o produto".
Procurados pelo Valor, o Ministério da Fazenda e o deputado Mauro Benevides
Filho (PDT-CE), atual relator do PLP 16 na Comissão de Finanças e Tributação
(CFT) da Câmara, não deram retorno até o fechamento desta edição.